sábado, 3 de janeiro de 2015

Os Famalicenses e a I Grande Guerra: a cultura em 1915


OS FAMALICENSES E A I GRANDE GUERRA
O CIGARRO DO SOLDADO


[Foto AGG]

Nas actividades culturais, entre o teatro e as variedades, no cinema e nas festas populares, a comunidade famalicense teve algumas ofertas de distracção. A 16 de Fevereiro foram imponentes os festejos do Carnaval, os quais foram abrilhantados com um desfile alegórico, composto por oito quadros e acompanhados por uma Banda de Clarins e de música. O último carro alegórico intitulou-se “A Grande Guerra Infame”.

Lucifer-Kaiser, imperador do inferno, resolve declarar guerra ao mundo, cônscio como está do seu enorme poderio, da facilidade com que dispõe da vida dos seus infernais súbditos e dos grandes depósitos de matérias inflamáveis com que há anos abasteceu os grandes depósitos do inferno. A primeira parte do mundo a sofrer as maluqueiras do infernal imperador é a Europa, para onde já estão assestadas as formidáveis bocas de fogo que sinistramente ameaçam destruir tudo. A humanidade resolve defender-se, para o que manda abrir todas as torneiras, tanques, diques, rios e mares e oferece uma resistência tenaz com a qual não contava o maduro dirigente do inferno. / A luta dos dois poderosíssimos elementos é gigantesca e a água jorra com tamanha intensidade, sobe com tal impetuosidade que ameaça inundar o inferno. Os habitantes infernais vendo-se perdidos resolvem conspirar contra o seu imperador e propondo a paz indemnizam a Europa dos prejuízos e atiram com Lucifer-Kaiser para as Caldeiras do Pedro Botelho. / Este carro é uma maravilha, um prodígio de engenharia mecânica, para ele chamamos a atenção do público. / O préstito fecha com os representantes do Carnaval Carioca que aqui vêm saudar o nosso entrudo, mas bem entendido é o Carnaval-cordão, porque o outro, o maravilhoso, tem que fazer e não dispõe de representantes. / Apresentar-se-á com as suas vestes selvagens como sempre, dançando e cantando as modinhas do costume: “Oh abre ala que eu quero passa (bis) / Povo da lira não pode nega (bis) / Há duas coisas que me faz chorá (bis) / É só na tripa e bataião navá!” / Saudemo-lo pois.

Os famalicenses, entretanto, assistiram ao filme “Escola de Heróis” (um “belo episódio das guerras napoleónicas”), apresentando também o Olímpia “uma fita de grande aparato sobre motivos da actual grande guerra europeia e outros, tendo enchentes” as sessões que se realizaram à noite. Mas o filme que fará sucesso será o que vai ser passado no dia 12 de Dezembro, não sendo as notícias conclusivas quanto ao título, a saber, “Amor de Pátria” e “Pela Pátria”. O “Estrela do Minho” divulgará no mesmo dia o argumento do respectivo filme.

A guerra é declarada, repentinamente. As duas potências vizinhas, que até então mantinham as mais amigáveis relações, são agora inimigas. / Quando a guerra rebenta, Sidónia, a filha do generalíssimo Lievitz, está para casar com o tenente Alexis, adido à embaixada do estado vizinho. / O generalíssimo faz sentir ao tenente que, visto serem inimigos, deveria cessar todas as relações com a sua filha. Alexis volta para o seu país, mas, antes da partida, os dois jovens juram uma fidelidade eterna, e Sidónia dá ao noivo um pombo correio a fim de que ele lhe possa enviar notícias, caso lhe suceda alguma fatalidade. / Alguns dias mais tarde, o generalíssimo e seu filho, o tenente Ladislas, um jovem e bravo oficial que arde em desejos de se distinguir, estão já a caminho para a frente das tropas. Ladislas vê os seus desejos realizarem-se mais cedo do que esperava. / A bênção da bandeira da bateria n.º 5 deve ter lugar em presença do generalíssimo. A bateria n.º 5 é comandada pelo tenente Mirza, que está vendido ao inimigo, e que, no momento da bênção da bandeira, deve fazer rebentar um canhão. / A explosão do canhão deve ser para o inimigo o sinal do assalto. / Por acaso, o tenente Alexis descobre o plano. Um terrível combate se trava entre o sentimento do seu dever e o amor por Sidónia. Alexis está indignado pela maquinação infame de Mirza, resolvendo-se a impedir o atentado do miserável contra o pai de Sidónia. Em poucas horas o pombo leva à noiva a notícia do perigo que corre seu pai. Sidónia salta para um automóvel e precipita-se para o campo, onde encontra seu irmão a quem conta o que se passa. Ladislas monta a cavalo e chega exactamente no momento em que a explosão ia rebentar, deitando-se o general e os que o acompanhavam no chão para evitar os estilhaços e organizando-se rapidamente a defesa, que se transformou em ataque, conquistando uma após outras todas as trincheiras do inimigo. A última é defendida pelo tenente Alexis e pela secção, rendendo-se por fim a um violento assalto à baioneta, dirigido pelo tenente Ladislas de Lievitz. Dentro em pouco os dois antigos amigos e futuros cunhados encontram-se frente a frente, mas só durante um momento, porque Ladislas lança-se para a frente e Alexis cai, apertando a bandeira contra o peito. / Ladislas conta a sua irmã, que se fez enfermeira, o seu encontro com Alexis, e depois do combate ambos procuram no campo da batalha o tenente ferido, que encontram, recuperando a saúde com os cuidados assíduos de Sidónia. / Entretanto, o general inimigo teve que retirar-se para uma fortaleza com os restos do seu exército, formando assim o último apoio para a defesa. É necessário tomar aquele forte. Ladislas, que foi indicado para aquele feito de armas, tem um plano, pedindo para o seguir sob sua responsabilidade. Obtém permissão para isso e, pela sua coragem e pela sua habilidade, consegue penetrar no forte. Com verdadeiro desprezo pela morte, incendeia os depósitos de pólvora, que explode sepultando-o sob os escombros. Mas, o seu fim tinha sido atingido. / Os seus compatriotas tomam o forte, cujo comandante tem que se render com todas as suas tropas. Por um milagre, Ladislas tinha escapado à morte, e no dia em que a paz se assinou, o generalíssimo Lievitze pode encontrar-se com os seus dois filhos junto de si, e com Alexis, que aceita como seu genro.

No teatro, os famalicenses puderam apreciar em Março a Companhia Dramático Portuense Teatro Hig-Lif e em Outubro a Troupe Opereta Silva Carvalho (transformista) e Alice Fonseca (soprano ligeira). Na música, assistiram aos concertos de Branca Moreira e de Estela Brandão (em Janeiro), de Maria Teresa de Sousa Pires (em Agosto) e ao concerto do aluno da pianista Ester Brandão (Outubro), assim como assistiram, em Julho, no Café do Júlio a um espectáculo de variedades com dois artistas espanhóis. Paralelamente, o ano de 1915 foi um ano com três festas populares: em Junho (13, 14) no Campo Mouzinho de Albuquerque e na Estação, as afamadas Festas a Santo António, com foguetes e iluminações, cascatas grande e minúsculas. Em Julho, na Rua da Estação, realizaram-se as Festas a S. João, com iluminações, música, fogo, bancas e bazar de prendas e, em Antas e na Estrada de Guimarães, as Festas a São Pedro, organizadas por Nelson Pinto de Azevedo, com cascatas, iluminações e música, participando a Banda dos Bombeiros Voluntários de Braga e a Banda dos Bombeiros Voluntários de Famalicão.
Até que, em 15 de Abril, a comunidade famalicense vai unir-se na primeira festa cívica e cultural de benemerência para os soldados portugueses em África, na qual participaram os alunos das escolas oficiais de Famalicão, com um Orfeão Infantil, sob a direcção de Adolfo Lima, e com três comédias: “A Sementeira”, “A Primavera” e “A Desfolhada”. A 28 de Março os famalicenses leram a seguinte notícia: “Estão adiantados os trabalhos para a realização desta festa que deve causar entusiasmo, não só pelo fim altruísta a que se destina, mas também porque o programa é quase todo desempenhado por crianças. / Haverá números cantados pelos mesmos minúsculos actores e ainda outros números de sensação que oportunamente serão anunciados.” Com este programa a causar expectativa, os famalicenses saberão que a Banda dos Bombeiros Voluntários irá participar no acontecimento e que as receitas do sarau cultural e artístico que metade será entregue “ao Grupo Patriótico de Senhoras Lisbonenses” e a outra “à subscrição aberta em favor do Cigarro do Soldado”. O altruísmo dos famalicenses e como decorreu a mesma festa, sabem-no em 23 de Maio, numa notícia transcrita da “Ilustração Nacional”, do Porto, nos seguintes termos: “Foi uma festa brilhantíssima ultimamente realizada no Salão Olímpia de Vila Nova de Famalicão e cujo produto se destina aos nossos soldados em África. / A Comissão composta por distintíssimos cavalheiros daquela Vila cujos retratos damos, viu coroada do mais completo êxito os seus esforços. / O orador da festa foi o sr. Amadeu Mesquita, que falou com subido entusiasmo sobre o valor dos nossos soldados em heroísmo da raça portuguesa. / O orfeão infantil houve-se à maravilha, sob a direcção habilíssima do sr. Adolfo Lima. / Brilhantes foram também os trechos que a ilustre pianista e professora sr.ª D. Ester Brandão executou com notável mestria e sentimento, uma vez mais confirmando os seus méritos, ainda há pouco tão aplaudidos num concerto notável, realizado naquela Vila. Uma linda festa, enfim, a cuja intenção a “Ilustração Nacional” presta a sua homenagem.” Regista-se que a referida comissão de cavalheiros era constituída por Francisco Maria de Oliveira e Silva, José Robalo Ferreira, Adolfo Lima, Alípio Augusto Guimarães e Amadeu Mesquita.



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