domingo, 21 de abril de 2013

Ana de Castro Osório: uma mulher paradoxal


O próprio percurso de Ana de Castro Osório é um percurso que levanta algumas questões, algumas dúvidas e, portanto, as pessoas que são mais republicanas não gostam do final, as que são menos republicanas não gostam do princípio, as que são um tanto ou quanto feministas não gostam do papel dela como feminista e tudo isto é uma enorme mescla.
João Esteves
RESUMO
Se o percurso de Ana de Castro Osório levanta algumas questões e muitas dúvidas, entre o republicanismo e o nacionalismo, ela ficará na história como republicana (basta estar representada no quadro de Roque Gameiro, de estar associada à Lei do Divórcio ou à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas), como nacionalista (daí ter o seu busto na Liga dos Combatentes) e, finalmente, ficará na história como escritora de literatura infantil.


O Prof. Norberto Cunha na apresentação do conferencista convidado, o Prof. João Esteves
 
É um prazer estar no Museu Bernardino Machado por duas razões essenciais: por um lado, este Museu tem conseguido funcionar como um polo divulgador dos estudos à volta da I República, sendo esta muito mal conhecida, sabemos muito da I República; e o facto de haver um Museu focado em Bernardino Machado é importante porque apanha a parte da Monarquia, apanha a parte da República, apanha a parte da ditadura militar e apanha a parte do salazarismo. Por outro lado, obrigou-me a repensar Ana de Castro Osório, a qual não é uma mulher fácil, porque complexa, , tão complexa que aparentemente não há nenhum estudo completo sobre ela. Ana de Castro Osório foi uma mulher conhecida e reconhecida na sua época. Não houve mais nenhuma mulher que tivesse tido a projecção que ela teve durante quarenta anos.
Nasce em Mangualde, vai para Setúbal em 1895 e até 1905, vai ser sempre conhecida e vai marcar de forma diferente quatro regimes: a monarquia, a república, a ditadura militar e o salazarismo; e teve sempre uma grande preocupação: deixar marcas para o futuro. Ou seja, ela impôs-se, e impôs-se de uma forma espantosa, sendo talvez a mulher portuguesa que se correspondeu com políticos, militares, diplomatas, intelectuais e escritores; e algumas cartas-chave de Ana de Castro Osório estão aqui, neste Museu. A correspondência desta mulher é uma correspondência avassaladora, com figuras totalmente diferentes, com figuras que vêm de vários quadrantes políticos e ideológicos e escrevia constantemente: nos jornais diários, locais, regionais, escreveu em jornais de edição nacional e assinou artigos, muitos artigos de primeira página, essencialmente políticos, com imensos artigos e editoriais em jornais como “A Vanguarda” ou a “República”, em que transmite as suas opiniões, quer no tempo da monarquia, quer no tempo da república, quer depois no salazarismo. Quando Ana de Castro Osório morreu em 1935 ela não é propriamente uma figura em que se tenha grande empatia; e o que é espantoso, no funeral dela, quem estava lá, nomeadamente Aquilino Ribeiro, Bernardino Machado, filho, Hernâni Cidade, Joaquim Manso, João de Baroos, António Sérgio, José Rodrigues Miguéis, Manuel Mendes, Fernando Pessoa, ou seja, só para dizer, para além de um conjunto de mulheres, que são personalidades marcantes nos anos 30, e depois estão no funeral os militares e estão os homens da ditadura militar, e os homens da governação salazarista. Isto é, esta mulher conhecida pelo seu republicanismo, efectuando depois um percurso que é algo complicado, consegue juntar no mesmo espaço, o seu funeral, monárquicos, republicanos, salazaristas e, claramente, os defensores da ditadura militar, o que não deixa de ser muito curioso, provando até que ponto ela soube estabelecer relações com tanta gente diferente. O que convém estarmos atentos é ao percurso de Ana de Castro Osório, que qual queria e pretendia ser reconhecida e fez tudo para isso: achava que tinha talento para ser reconhecida.


O Prof. João Esteves num dos seus momentos da conferência sobre Ana de Castro Osório
Em Setúbal começa por se dedicar à literatura, onde tem um salão literário, convivendo com monárquicas, e torna-se conhecida por promover a homenagem nacional a Almeida Garrett, tendo sido ela a principal responsável, juntamente com o marido, pela trasladação dos restos mortais de Garrett para o Panteão; depois, passa para a literatura infantil e depois da literatura infantil passa para o feminismo e onde numa carta a Bernardino Machado de 1904 manifesta a intenção de formar ou de fundar um partido feminista; depois torna-se maçónica, é iniciada na maçonaria, e foi sempre anti-pacifista, nunca se dando com as pacifistas, como é o caso com Alice Pestana, esta convidando-a para umc argo da direcção da Liga Portuguesa da Paz, que recusou; depois torna-se, ainda antes da República, numa republicana tão conceituada que é escolhida por Bernardino Machado, António José de Almeida e Magalhães Lima para fundar a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908) e vai falar no Congresso de Setúbal (1909), tendo sido a primeira mulher a ir a um congresso republicano e, finalmente, vai participar na reunião do directório em 30 de Janeiro de 1910, a qual é uma reunião conspirativa. Na República, participando na feitura da Lei do Divórcio com Afonso Costa, é uma figura que tem acesso a todos os governantes republicanos. Só que entretanto, nos anos dez, muita coisa muda. Torna-se numa defensora de Portugal na guerra e tem o grande sonho de organizar uma grande organização de mulheres de apoio à entrada de Portugal na Guerra, que é a Cruzada das Mulheres Portuguesas; mas ela, como não é uma figura consensual, só o pôde fazer através da mulher de Bernardino Machado, Elzira Dantas Machado, e depois o que é espantoso é que acabada a guerra, é proposta para ser condecorada pela República e, contudo, recusa, porque já está de costas voltadas para a mesma República que a pretende condecorar; e nos anos 20 vai tornar-se numa acérrima defensora do nacionalismo, de um nacionalismo autoritário (os filhos serão presos em 1922 por se terem revoltado contra a I República e ela própria é defensora deles), defendendo ela própria uma República autoritária, sem parlamento e baseada no presidencialismo, dedicando-se, depois, a partir da década de vinte, à produção literária, tentando reconstruir uma imagem, pretendendo deixar cair a parte política, ficando mais pela literária, que é claramente a parte mais fraca dela, tentando, desesperadamente, uma aliança com o Brasil, já que nele sonhava ser reconhecida, um sonho que nunca conseguiu, em Portugal e no Brasil, sendo o projecto luso-brasileiro no campo literário editorial mútuo.
Ana de Castro Osório era ou não republicana? Era e não era, ou seja, ela era claramente republicana ma medida em que quando faz “Aguarelas” (1911), livro que retrata as figuras republicanas, estão lá 160 homens e está lá ela própria retratada. É um quadro emblemático da República,e stão lá as figuras e todos os dirigentes conhecidos republicanos e uma mulher: ela tinha peso suficiente para aparecer no quadro; e ela era republicana porque achava que a República dava, ou daria, melhores condições às mulheres e achava que a República a reconhecia mais do que a Monarquia, esperando que a República lhe atribuísse algum papel dominante, havendo, depois, um afastamento; e foi avisando, ainda antes da República, que esta poderia fazer a mesma coisa que a Revolução Francesa: que apoiasse as mulheres. Muitas delas, incluindo Ana de Castro Osório, tinham presença em jornais com artigos de carácter político, não de contos, histórias ou de artigos moralistas; e esta mulher, que tem um papel importante até 5 de Outubro, depois o seu republicanismo vai transformando-se em nacionalismo, é uma mulher nacionalista, pretendendo transmitir ou incutir nas crianças três valores: o nacionalismo, a pátria e as mulheres enquanto educadoras dos futuros cidadãos republicanos. A certa altura vai desviando-se da República, apesar de ter participado na Cruzada das Mulheres Portuguesas, valorizando a sua dimensão nacional, sendo ela não a sua principal figura, situação que ela pretendia (entra para a Cruzada em 1916 e na qual vai ficar até 1933), sendo, contudo, o único sítio que tem o seu busto é a Liga dos Combatentes; e ao desligar-se do republicanismo, desliga-se do feminismo, fica apenas ligada à Cruzada, que tem uma conotação de apoio à I Guerra Mundial, aos militares, e fica lá até ao fim, quando a Liga dos Combatentes era suportada por homens militares da ditadura militar do salazarismo. É muito curioso que a grande obra que ela nunca deixa, que é a Cruzada, e sendo a mulher de Bernardino Machado perseguida com o sidonismo e a Cruzada muito perseguida, de certa forma Ana de Castro Osório saiu ilesa, mesmo quando muitas outras saíram, ela fica. Aliás, Ana de Castro Osório sempre teve um sonho, o sonho de dirigir uma associação que fosse nacional, controlada por ela e reconhecida pela governação e pelos governantes. Não deixa de ser acusada, em 1922, de estar contra o parlamento, de defender o regime presidencialista, de estar afecta ao movimento nacionalista, e de facto, isto é que é estranho, de voltar-se contra a República. Nos anos 20 não aparece em nada a favor da República, das feministas, dedicando-se apenas à literatura; e depois, o que é inglório, esta mulher que recusa ser condecorada pelos serviços prestados à Patria em 1919, vai aceitar ser condecorada pela ditadura militar com a Ordem de Mérito Agrícola e Industrial, pelos esforços desenvolvidos em prol da silvicultura e das indústrias caseiras genuinamente nacionais, nas rendas e nas tapeçarias! Isto não deixa de ser uma humilhação que, ela, aliás, recebeu com muito gosto!; mas, se repararmos, uma mulher que fez tanta coisa, que conspirou com os republicanos, é uma das batalhadoras pela Lei do Divórcio e depois é condecorada de forma ridícula!


Ana de Castro Osório tem a parte pedagógica que é extremamente importante, assentando em dois pilares: na literatura para crianças e nos manuais escolares, os quais são mais livros de leitura para a 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª classe. Sendo profundamente narcisista na correspondência, achava que o que escrevia era de qualidade e achava que as crianças do ensino primário deviam ter acesso aos livros dela, porque são aqueles que melhor formam os futuros cidadãos., já que faziam a defesa da história pátria e de valores, na altura, republicanos; e na literatura infantil, não deixa de ser espantoso, ela é considerada a principal responsável e divulgadora da literatura infantil, lançando em 1897 a “Colecção para as Crianças”, a qual teve um enorme sucesso, indo buscar vas suas história ao património oral português, alguns originais seus, fez traduções dos principais autores estrangeiros e foi buscar um conjunto de vários de ilustradores, nomeadamente Leal da Câmara, conseguindo criar uma rede única em torno dela (nem mesmo Maria Lamas conseguiu criar uma rede como Ana de Castro Osório criou!) São livros acessíveis, com uma linguagem muito simples, com muitos diálogos, valores de natureza e da Pátria, com uma enorme preocupação do aspecto gráfico e com um conteúdo altamente moral. Cria paralelamente o “Jornal dos Pequeninos”, no qual realiza a publicidade dos seus livros. Esta parte pedagógica é essencial. E depois o que é que ela tenta? Que as escolas do ensino primário adquiram os seus livros; e os seus livros de leitura tenta que a Monarquia os adopte nas escolas, não os aceitando: segundo o conselho pedagógico da época eram livros maus traduzidos, denotando-se que ela era fortemente influenciada pela literatura estrangeira, tornando-se então republicana pelo facto da Monarquia não lhe ter aberto as portas às suas publicações. Fazia não só as suas versões para Portugal, como igualmente para o Brasil. Aliás, o facto de ela ser extremamente ambiciosa, não é propriamente um facto negativo. O Brasil, aliás, nunca lhe abriu as portas, apesar de lá ter ido algumas vezes, e fazendo conferências. E depois tinha uma enorme preocupação para estes livros: formar as crianças em valores diferentes: natureza, cidadania e morais (defendendo claramente o laicismo, não se afectando com a religião, e defendendo até 1903 a razão, a ciência, defendendo a escola laica).


Contudo, a República não lhe dá nada: Ana de Castro Osório que tinha lutado no plano político e no plano das ideias, construiu manuais em defesa da história Pátria, a República não lhe deu saída. Em 1916 foi sub-isnpectora do trabalho, fiscalizando o trabalho feminino, só que o mundo de Ana de Castro Osório não tinha nada a ver com o mundo operário; e as feministas achavam que ela era uma burguesa, que não tinha nada que ver com os problemas das operárias. Não foi reconhecida pela Monarquia como escritora, a República não lhe deu a saída que ela esperava, embora os livros para crianças tivessem sido vendidos dezenas de milhares de exemplares, tendo sido a escritora mais divulgada, vai-se tornando numa mulher claramente diferente, dedicando-se à literatura; e o que é espantoso aqui é que ela vai fazer livros contra o divórcio! Uma mulher como Ana de Castro Osório que defendeu a independência económica da mulher através do trabalho, que esteve na feitura da Lei do Divórcio, agora já diz, nos anos vinte, que a mulher burguesa deve fazer um bom casamento e só as outras, as operárias, é que devem trabalhar para ajudar na casa; a mulher burguesa deve aguentar o casamento, apoiar o marido e ter filhos, e fazer destes bons cidadãos, educa-los nos valores pátrios, e deve, igualmente, contribuir para a pureza da raça, não podendo a mulher burguesa casar com qualquer um! Quando está a escrever estes livros, não se deu conta, ou se calhar até deu, que defendia algo que tinha combatido e, contudo, o facto é que acabou por pensá-lo, tendo tudo isto a ver com a questão do seu reconhecimento. Defensora do divórcio, agora acha que a mulher, mesmo tendo dúvidas, não se deve divorciar, mesmo que o marido tenha outras!
Mas são estas contrariedades que dão a Ana de Castro Osório uma certa riqueza: é daquelas personagens que não se consegue colocar aqui ou acolá, ficando sempre na história como republicana (basta estar no quadro de Roque Gameiro, basta estar associada à Lei do Divórcio ou à Liga Republicana) mas também fica na história como uma nacionalista (daí ter o seu busto na Liga dos Combatentes), e fica também, apesar de não se lhe dar grande importância, como escritora de literatura infantil.

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