domingo, 15 de abril de 2012

bernardino machado, orientação e táctica republicana (1909)

a caminho da apresentação do tomo II da obra política de bernardino machado, no museu bernardino machado, em vila nova de famalicão, no próximo dia 21 (sábado) pelas 16h00. para o dr. manuel sá marques, com o meu abraço de fraterna e cordial amizade.



Ninguém ignora a grandeza intelectual e moral de Basílio Teles, o poder construtivo da sua disciplinada mentalidade, a sua larga folha de serviços dedicados à causa pública, a sua vida estóica de exemplar abnegação pessoal. Como político, como economista, como escritor e orador, ele tem um lugar de honra entre as figuras primaciais do nosso tempo; e as suas claras virtudes cívicas impõem-no prestigiosamente à estima e ao respeito tanto de correligionários como de adversários. É, de direito, não só um dirigente do seu partido, mas de toda a sociedade portuguesa.
Não podia, portanto, este Centro, que hoje aqui se inaugura, condecorando-se com o seu nome ilustre, escolher patrocínio mais auspicioso. E eu venho associar-me gratissimamente a tão justa homenagem.
Muitas vezes se diz que devemos preito ao nosso ideal e não aos homens. Não é bem assim. Os princípios valem tanto mais quanto mais fraternalmente enlaçam as almas. Tão reaccionário é converter em desdém e ódio pelos outros o amor dos princípios como o amor de Deus. E, infelizmente, não há neste género só a reacção clerical, há também a reacção laica, que não é menos perniciosa. Conheço criaturas que gastam todo o seu coração com as ideias, não lhes sobrando dele nada para a gente. Pois a obra suprema, a obra sagrada da razão é a união social.
E, por isso, da cordialidade mútua de um partido, como o nosso solenemente testifica nestas festas, se infere com segurança a excelência do seu mote.
É que o nosso é a liberdade. Sem ela não há solidariedade humana. Sucede na sociedade como na química: não é o químico que faz as combinações, fazem-nas, sob a sua direcção, os próprios átomos entre si pelas suas recíprocas afinidades electivas. Coarctar-lhes a eles os movimentos é provocar conflagrações. Também na sociedade a união só pode provir da livre expansão das iniciativas individuais. E aí está porque hoje somos só nós, republicanos, com as nossas reivindicações liberais, que vamos ressuscitando em Portugal a vida colectiva, a vida nacional, desde a metrópole até ás colónias, cimentando assim solidamente para futuro o grande Portugal.
Porque é que a Monarquia nova se esfacela cada vez mais? O seu descalabro é o efeito fatal da sua reacção.
Politicamente, vejam quanto o decantado liberalismo do novo reinado já decaiu! Ao Ministério intencionalmente liberal de Ferreira do Amaral seguiram-se os Ministérios ponderadamente, isto é, atenuadamente liberais de Campos Henriques e de Sebastião Teles, e, por último, o Ministério diplomaticamente ou antes, equilibristamente, acrobaticamente liberal de Wenceslau de Lima. Economicamente, depois de uma sessão legislativa em que se levou o servilismo ao ponto de se aumentar a lista civil à família real, outra sessão em que, com servilismo ainda maior, se pagou a indemnização dos sanatórios à Alemanha, e, nos intervalos das sessões legislativas, fora da fiscalização e sanção parlamentar, o empréstimo fraude, assim denominado pelos próprios monárquicos; e o tratado ignominioso com o Transvaal. Militarmente, não falemos. Ainda agora a Monarquia nova acaba de exercer sobre um brioso oficial reformado do exército, que outro dia assistiu a uma conferência republicana, não uma legítima disciplina militar, mas uma revoltante opressão militarista.

Palacete Barão de Trovisqueira - Museu Bernardino Machado

Por isso, falido já o seu liberalismo, tanto politicamente como economicamente e militarmente, o novo reinado intenta chamar em seu socorro o sentimento religioso do nosso povo, apresentando-se-lhe como seu campeão. Mas, assim como, quando invocava a opinião pública, a Monarquia a atacou com os rotativos, e, quando invocava o interesse público e a ordem pública, os atacou com o franquismo, assim agora, que invoca o sentimento público, ataca-o com o clericalismo, o mais encarniçado inimigo dos direitos do nosso coração, do nosso amor de família, do amor pátrio.
O regime chegou à fase extrema da reacção e conseguintemente à sua dissolução final. No 4 de Maio, em seguida ás chapeladas da Azambuja e do Peral, pode dizer-se que morreu o rotativismo. No 1.º de Fevereiro, em seguida à liquidação ditatorial dos adiantamentos e às perseguições ferozes contra os republicanos, morreu, não há dúvida, o franquismo. Agora, após este explodir de ódios sectários, tem de vir irresistivelmente a morte do clericalismo. E será o fim da Monarquia.
Da nossa orientação e da nossa táctica depende que seja ao mesmo tempo o início do nosso renascimento nacional.
Qual deva ser a nossa orientação é muito simples: republicana, toda liberal e tolerante. A República não é nem livre-pensadora, nem colectivista ou comunista, nem anarquista [A República não é nem ateísta, nem colectivista ou comunista, nem anarquista], como não é tão pouco confessional, burguesa ou autoritária. Assim como a Nação, que abrange todos os cidadãos, o Partido Republicano abrange todos os democratas, quaisquer que sejam as suas crenças religiosas, os seus interesses económicos, as suas opiniões políticas. Garante a liberdade a todos, e a todos quer disciplinar e harmonizar pela livre obediência à lei.
E qual é a nossa táctica? Republicana também, toda de atracção, sem nenhumas pressões, como sem nenhumas transigências.
Não somos homens de violências – senão em que diferiríamos dos nossos adversários? – e nem sequer a mínima violência moral, a mínima pressão devemos fazer aos nossos adversários. Nada, por exemplo, mais legítimo do que erguermos vivas à República e ostentarmos os emblemas triunfais da causa republicana. São vivas e emblemas patrióticos. Não ofendem a ninguém. Festejar as conquistas da liberdade é festejar o engrandecimento do cidadão e da Pátria. Sem embargo, todas as nossas expansões jubilosas, naturalíssimas entre correligionários, exigem muito tacto nos meios monárquicos, onde, por um mal entendido que a nossa propaganda ainda não dissipou, podem susceptibilzar os nossos adversários, aparecendo que tentamos levá-los de assalto.
Não façamos aos outros o que não consentiremos que eles nos façam. Assim como nos susceptibilizaria que os nossos adversários pretendessem com as suas manifestações fazer passar por monárquicas povoações já quase de todo ou em grande parte republicanizadas, assim está da nossa parte nas outras povoações não lhes criar o menor motivo para igual motivo para igual melindre. Molestados os elementos monárquicos liberais que há por muitas terras, bem dispostas a respeitar os nossos direitos de propaganda e discussão e a ouvir-nos, retraídos esses, portanto, ficam em campo os bandos reaccionários para, com as costas quentes pela autoridade, operarem, segundo o eufemismo do Presidente do Conselho, a revivescência do espírito monárquico, agredindo-nos furiosamente. Ora nós, ainda quando possamos levar a melhor nesses conflitos, e ainda quando por fim eles venham pelo seu escândalo a indignar os próprios monárquicos liberais contra os reaccionários, devemos procurar evitá-los. Queremos convencer, não vencer. Fazemos propaganda, não escaramuças. O País reclama ansiosamente sossego, paz, e é preciso que ele veja que só o Governo republicano é capaz de lha assegurar, porque, no dia em que, pela proclamação da República, a  reacção se achar isolada, sem a protecção governativa, e, por isso, correndo risco das suas arremetidas, acalmará de pronto. Ela não é para sacrifícios. E os fanáticos, já hoje em dia felizmente muito raros, caberão bem então, quando se tornarem perigosos, numa casa de saúde ou num manicómio.
Ninguém, contudo, intérprete mal os nossos escrúpulos. A nossa política de atracção não implica nunca a mínima transigência com os nossos adversários.

Inauguração da estátua a Bernardino Machado, no âmbito das comemorações de 1983, com a presença do então Presidente da República Ramalho Eanes

A tibieza, o simples retraimento do Partido Republicano em qualquer campanha liberal seria não só um mal para o partido, porque atrofiava as suas forças, dando-lhes ademais um ar comprometido de desconfiança em si, como se o seu concurso declarado pudesse prejudicar o êxito da causa que ostensivamente defendesse, o que seria a pior das fraquezas, mas também, e até logo por isso, um grande mal para a própria campanha. Que se ganhava em compensação da tibieza e enfraquecimento republicano? Não se afastarem da luta contra a reacção as forças monárquico-liberais? Revigorarem-se essas forças, pondo na luta toda a sua tensão? Como tudo isto é quimérico! Onde estão essas forças monárquico-liberais tão ciumentas da integridade partidária e tão orgulhosas do seu poderio político, que, em vez de se medirem, sem se confundir, com as forças republicanas, disputando-lhes a primazia no esforço combativo comum contra a reacção, preferirão imobilizar-se nos seus arraiais e saírem a campo, batalhando junto de nós e repartindo connosco os troféus da vitória? Formular a pergunta é logo dar a resposta. Não existem!
Não há já entre nós nenhum partido monárquico liberal. Todos os partidos monárquicos constituídos são profundamente, entranhavelmente reaccionários: os rotativos são a reacção política – plutocrata e pretoriana – e os nacionalistas são a reacção clerical. [os franquistas são a reacção feudal – plutocrata e pretoriana] Poderá constituir-se de novo um partido monárquico-liberal? Não o conseguiram na oposição, há pouco, João Franco e, ultimamente, José Alpoim, ambos os quais se viram afinal na necessidade de transigir e se aliar com as velhas oligarquias rotativas. O Sr. Alpoim, ainda depois da sua entrada para o bloco liberal com os regeneradores, continua a apregoar que o regime ou há-de ser democrata ou morre; mas João Franco fez pregão também de liberdades, ainda depois da sua concentração liberal com os progressistas. E, por mais que diferencemos entre os dois homens e entre os parciais de um e de outro, e temos obrigação estrita de lealmente os não equiparar, fica sempre no espírito público suspensa esta interrogação: mas no poder? O poder é a grande provação. A quem lá for amanhã, acontecerá o mesmo que a João Franco: ceder, traindo o povo; ou o mesmo que a Ferreira do Amaral: desistir, traído pelo Paço. E mais Ferreira do Amaral tinha por si a força excepcional que lhe dava aquele momento de pânico da dinastia e de impotência dos partidos monárquicos. Tudo então aconselhava o regime a ser liberal, nós mesmos a isso o instigamos abnegadamente, patrioticamente; e nem assim! A experiência já feita do novo reinado tornou-se, pois, para todos desenganadamente decisiva.
Mas haverá subterrâneos, esparsas, prestes a organizar-se por si mesmas num partido em volta de novos chefes, potentes forças monárquico-liberais, que seja necessário acauteladamente não perturbar na sua laboriosa gestação? Quem dá por isso? Onde esses chefes? O que não se fez com José Dias Ferreira, apesar de todo o seu alto valor político, irá fazer-se agora com o Sr. Bombarda, cujo grande valor, também inegável, tão relevantemente se têm assinalado nos últimos tempos? Por mais que o Sr. Bombarda, com todo o fogo do seu liberalismo, sopre nas cinzas frias das juntas liberais, não as reanima, porque tais juntas estavam de há muito tão mortas que as almas de vários dos seus membros tinham já transmigrado para o franquismo senão mesmo para o clericalismo.
Não há nenhum partido monárquico constituído, nem possibilidade de se constituir algum de novo. O que há, sim, é monárquicos liberais. E esses ou são tão frouxamente liberais e tão intensamente monárquicos, que se receiam, como uns beatos, do contágio republicano, e não contam para a defesa valorosa das liberdades públicas; ou, são deveras liberais, só têm um de dois caminhos a seguir: desiludidos da Monarquia, republicanizarem-se de vez, como altivamente fizeram Augusto José da Cunha, Anselmo Braancamp Freire e tantos outros, a seu exemplo, ou, porque não queremos nas nossas fileiras ninguém contra vontade, nem o Partido Republicano tira o lugar a ninguém, formarem, sem quebra da sua autonomia, ao nosso lado, como honradamente fizeram muitos e, sobretudo, os dissidentes.
Mas, para isto, é indispensável que uns e outros nos vejam, como então, aguerridamente na estacada, nos postos mais perigosos, comandando a batalha.
O Partido Republicano tem o direito e o dever de ir sempre na vanguarda de todas as campanhas liberais. E não pode deixar de ir. A não ser que, desesperado deste mundo, faça o voto asceta de não governar… Mas não! Sei bem que não desfalece nunca. O Partido Republicano não confia menos em si do que o país confia nele. E é, com esta plena confiança na sua redentora missão, que saúdo esperançosamente a Foz republicana.






























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