domingo, 30 de outubro de 2011

biblioteca municipal camilo castelo branco a caminho do centenário

para a cândida, afectuosamente
… a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco é fruto duma memória e de um percurso que atravessa os séculos, unindo todas as gerações de famalicenses que a sonharam.

Artur Sá da Costa


Sousa Fernandes


O jornal famalicense Estrela do Minho, no dia 12 de Outubro de 1913, logo na sua primeira página, noticiava o novo equipamento cultural famalicense nos seguintes termos, intitulando o artigo “Bibliotheca Municipal”.

Inaugurou no Domingo passado esta nossa biblioteca pública, constituindo este acto, como estava anunciado, um número das festas com que nesse dia se comemorou o advento da República. / A solenidade teve lugar no próprio recanto da biblioteca, devidamente ornamentado para o fim, assistindo muitas pessoas dotadas da vila e concelho, e tocando por vezes uma banda de música postada no átrio dos Paços do Concelho. / Eram 14 horas quando o sr. Sousa Fernandes tomou a palavra falando largamente sobre o assunto daquele novo centro de estudo e instrução que ia abrir-se para o povo de Famalicão, terminando às 15 horas por um vibrante viva a República que o selecto auditório repetiu em coro. / A biblioteca, que desde terça-feira está franqueada ao público durante as horas regulamentares, e de acordo com o regulamento já aprovado pela Câmara, foi inaugurada com 2439 volumes, sendo 1909 oferecidos por 98 cavalheiros do nosso concelho e de fora dele e 530 comprados com 275 escudos oferecidos em dinheiro por 23 outros generosos cidadãos que para esse fim ofereceram as suas verbas…



O primeiro bibliotecário


A notícia termina com um apelo camarário dirigido à imprensa nacional para a criação de um “Gabinete de Leitura de Jornais”, na oferta das suas publicações; e uma das maiores preocupações de Sousa Fernandes, Senador da República e Presidente da Comissão Municipal Administrativa, foi, indiscutivelmente, a constituição de uma camiliana, tal como demonstra o seu jornal O Porvir.
O que aqui convém salientar é, acima de tudo, a generosidade e a solidariedade social dos cidadãos famalicenses, estando presente uma empresa, assim como do exterior, na oferta de obras e de um orçamento para a compra das mesmas tendo em vista a constituição da biblioteca municipal. Assim sendo, e a título exemplificativo, temos, no caso dos famalicenses doadores António Dias Costa, António Luís Machado Guimarães, António José de Sousa Cristino, Bernardino Machado, Delfim José Pinto de Carvalho, Daniel Rodrigues, Eduardo José da Silva Carvalho, Francisco Correia de Mesquita Guimarães, Gaspar Pinto de Sousa & Irmão, Heitor Esteves Brandão, Júlio Brandão, Sousa Fernandes, José de Azevedo e Menezes, Nuno Simões, Rodrigo Terroso, Tipografia Minerva, Visconde de Pindela, Visconde de Castelões, Henrique Garcia Pereira Martins, entre tantos outros; e dos cidadãos exteriores ao concelho podemos salientar Américo de Castro, Alberto Pimentel, Mendes dos Remédios, Tomás da Fonseca, Visconde de Vila-Moura, etc. Facto a registar para a constituição da biblioteca famalicense foi a união de republicanos e monárquicos.




P. Benjamim Salgado


O que convém aqui evocar é que as raízes da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco (BMCCB) não é propriamente filha da República, na medida em que a Lei publicada no Diário do Governo de 25 de Março de 1911 estipula e obriga as Câmaras Municipais a instituírem e a fundarem as bibliotecas municipais. Desta forma, a génese das bibliotecas populares e municipais podemos encontrá-la na Geração de 70, mais propriamente no Decreto de 2 de Agosto de 1870, o qual cria essas mesmas bibliotecas, e no de 20 de Janeiro de 1871, o qual institui o seu Regulamento, aparecendo um nome associado, o de D. António da Costa. Estes decretos vão dar origem, apesar de tardio, ao Gabinete Português de Leitura, o qual foi constituído numa sala das Escolas do Conde de São Cosme do Vale, inauguradas em 1903. O Estrela do Minho vai denominar esse mesmo “Gabinete” de “Biblioteca Municipal”- Aliás, já temos conhecimento desta mesma realidade em 1898, até porque a Junta da Paróquia de Vila Nova de Famalicão tinha já então a intenção de criar numa das salas do referido edifício um “Gabinete Público de Leitura”. Nesta época, finais do século XIX, temos também a indicação da existência de uma “Bibliotheca da Escola Oficial para o Sexo Masculino”, e, em 1907, temos a “Bibliotheca Escolar de Villa Nova de Famalicão”, esta criada pelo professor, do então ensino primário, António Maria Pereira em 1907, estando na sua constituição o espírito doativo.
Com a referida lei de 1911, será só na sessão da Câmara Municipal de 7 de Setembro, presidida pelo nosso já conhecido Sousa Fernandes, e com a presença dos vereadores Lopes da Silva, Albino Marques e Zeferino Pereira, que é aprovada a acta para a realização da Biblioteca Municipal, a qual terá as suas instalações na Secretaria da respectiva Câmara. Por seu turno, na sessão de 23 de Dezembro do mesmo ano, Fernandes irá propor o nome de Camilo Castelo Branco para patrono da biblioteca famalicense; e, logo de seguida, a 28, é nomeado o primeiro bibliotecário, Henrique Garcia Pereira Martins, permanecendo no cargo até 1933, sucedendo-lhe Paulo Brandão Peixoto, ficando até 1944 e, em 1945, por concurso público não menos polémico (conforme notícia publicada pelo correspondente de Famalicão no jornal bracarense Correio do Minho) é nomeada bibliotecária Ana Lucília Vieira de Castro e Costa.


Vasco de Carvalho



Será, precisamente, no dia 5 de Outubro de 1913, às 14 horas, e no âmbito das comemorações republicanas, que a BMCCB será oficialmente inaugurada nos Paços do Concelho, sendo aprovado em 27 de Setembro o seu Regulamento interno. No Auto da inauguração da “Bibliotheca Municipal do Concelho de Famalicão”, Sousa Fernandes dirá que “conquanto a criação da Biblioteca não seja propriamente da iniciativa da Câmara, é certo que a Câmara se empenhou em dar cumprimento ao decreto… por o reconhecer digno de toda a consideração visto que tem por fim instruir o povo. E então não havendo verba orçamental para ocorrer a todas as despesas de instalação recorreu às ofertas quer de livros, quer de dinheiro dos compatriotas que se dedicam ao bem da instrução e ao engrandecimento da nossa terra.” Ao longo da sua história, entre a República e o Estado Novo, a biblioteca famalicense conhecerá algumas vicissitudes, umas positivas, outras negativas. Em 1934 é transferida para a praça 9 de Abril, ficando instalada num edifício alugado; e em 1943 instala uma polémica na imprensa, local e nacional, a propósito das suas instalações (desconfortáveis), da desorganização dos catálogos e da falta de leitores. Já antes, em 1938, Folhadela de Macedo, no Notícias de Famalicão, fala não só da urgência da aquisição de novas obras e das más instalações, como proclama e solicita a criação de uma Biblioteca-Museu (surgindo esta mesma proposta muitos anos mais tarde, em 1966, pelo Presidente da Câmara Municipal de Famalicão José Pinto de Oliveira). Até 1961 e 1965, os quais serão anos cruciais e emblemáticos para a projecção da biblioteca famalicense (e já iremos ver porquê) vão surgindo solicitações para a criação de novas bibliotecas, num caso ou noutro mais temáticas. Muito antes, em 1915, a imprensa famalicense reivindica a criação de uma Biblioteca Móvel, a qual só será concretizada em 1944. Em 1931 pretende-se instaurar em Famalicão as Bibliotecas Agrícolas, por iniciativa da Associação dos Bombeiros Voluntários de Famalicão, ficando a selecção a cargo de Bento Carqueja. Em 1930, o “Estrela do Minho” solicita, a exemplo de outros municípios, e para que o espólio da biblioteca não ficasse desactualizado, à Câmara Municipal a adopção de uma percentagem do orçamento do município para aquisição de novos volumes, já que os que existem, segundo o jornal, eram os mesmos desde a inauguração! Aliás, já em 1914, e em anos posteriores, esta será uma constante preocupação do mesmo jornal. A par destas sugestões e da institucionalização de um equipamento cultural, o concelho de Famalicão conhecerá mais dois novos equipamentos: 1955 será o ano em que é fundada uma Biblioteca Popular em Cabeçudos e em 1959, na Casa do Povo de Ribeirão, é inaugurada uma outra.





Nuno Simões

Como acima dissemos, 1961 e 1965 são anos fulcrais para o desenvolvimento das colecções bibliográficas da nossa biblioteca e, essencialmente, por três razões: em primeiro lugar, porque em 1961 são inauguradas as novas instalações nos novos Paços do Concelho (o vereador da cultura, P. Benjamim Salgado, assume o cargo de bibliotecário até 1972, ano em que vai dirigir os serviços culturais da Fundação Cupertino de Miranda) e, por outro lado, com as doações dos espólios particulares de Vasco de Carvalho (essencialmente história local, conhecido pelos seus estudos históricos famalicenses) e de Nuno Simões (espólio marcado essencialmente pela literatura, a sociologia e a história do Brasil), o primeiro em 1961 e o segundo em 1965. Este espírito doativo será ainda mais concretizado em 1996 com o espólio de Armando Bacelar (particularmente sobre o Neo-Realismo) e o de Eduardo Prado Coelho (essencialmente filosofia e literatura) em 2007. Por seu turno, em 1992 a biblioteca obtém uma variada documentação da actividade da Oposição Democrática não só do concelho de Famalicão (não só política como também cultural), como igualmente do distrito de Braga e de âmbito nacional da época do Estado Novo, salientando nesse espírito doativo os nomes de Joaquim Loureiro, Macedo Varela, Margarida Malvar, Artur Sá da Costa e Lino Lima (aliás, este último, oferecia ainda nesse mesmo ano uma série de documentos originais referentes à actividade da Monarquia do Norte em Famalicão).
A influência luso-brasileira de Nuno Simões vai dar um novo incremento e uma nova actividade não só à própria biblioteca, como também à comunidade famalicense. Será, precisamente, tal como o entendo e denomino, o Ciclo Luso-Brasileiro Famalicense: em 1959 Assis Chateaubriand faz uma doação de livros para a Casa de Camilo; em 1965, o mesmo oferece 165 cartas inéditas de Camilo para a Casa-Museu; em 1969 a Biblioteca Nacional do Brasil oferece à BMCCB 1675 volumes; e em 1971 o Governo brasileiro faz a doação de um milhar de volumes à nossa biblioteca, cuja oferta terá a designação de Biblioteca Assis Chateaubriand.



1966 será também um ano fulcral para Famalicão em termos de leitura pública, até porque será inaugurada a 114.ª Biblioteca Fixa da Fundação Calouste Gulbenkian, com cerca de 2200 volumes, no antigo edifício dos Bombeiros Voluntários de Famalicão. Em 1967 surge uma descentralização cultural em termos de leitura, a par dos exemplos dos anos cinquenta: em Landim é inaugurada uma biblioteca com a doação de livros do P. José Dias Veloso.
Em 1970 a Câmara Municipal ao adquirir à Fundação Cupertino de Miranda o edifício do antigo hospital, tinha então a intenção de aqui instalar a biblioteca com outras repartições camarárias; e com a inauguração da mesma Fundação, em 1972, integrando nos seus serviços uma biblioteca, José Casimiro da Silva irá propor, pela primeira vez e publicamente, no jornal Estrela da Manhã, a necessidade de um edifício de raiz e exclusivo para a BMCCB. Mas antes de chegar a este ponto, gostaria de referir o projecto inovador realizado em 1973, denominado o Programa de Leitura Juvenil, sendo o vereador da cultura Camilo Freitas.



Assim sendo, o sonho de um edifico de raiz e único para a biblioteca famalicense começará a ter sentido e a concretizar-se, precisamente, nos seguintes anos: em 1983 ano em que surge o 1.º Manifesto de Leitura Pública em Portugal; em 1985 surge o Manifesto da UNESCO sobre as Bibliotecas Públicas e, finalmente, em 1987 quando surge o Projecto para a Criação de uma rede nacional de Leitura Pública, neste mesmo ano, numa Assembleia Municipal ordinária do município famalicense, a Câmara efectua um empréstimo de 50 mil contos, tendo sido aprovado por unanimidade. Mais uma vez, tal com em 1913, a cultura reuniu as forças ideológicas do município; e, por seu turno, em 25 de Dezembro, a autarquia assinará o Contrato-Programa com o então Instituto Português do Livro e da Leitura para a concretização das novas instalações de raiz da BMCCB, sendo o edifício da autoria do arquitecto João Marta e inaugurado em 1 de Junho de 1992
Ora, se a BMCCB foi o sonho das gerações de todos os famalicenses, ela continuará ser o sonho da actual geração em direcção ao futuro, não devendo esquecer as suas comemorações centenárias (2013). A comunidade famalicense marcará, indubitavelmente, a sua presença.

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