segunda-feira, 19 de setembro de 2011

camilo e as noites de insónia





É já na próxima Quarta-Feira, no dia 21, às 21h30, que a Câmara Municipal de V. N. de Famalicão e a Casa-Museu Camilo Castelo Branco preparam mais uma actividade da rúbrica "Noites de Insónia". Desta vez, cabe a leitura da comunidade de leitores camiliana a ficção "Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado", na mesma Casa, tratando o romance, segundo o próprio Camilo, ou do narrador, "para fazer uma ideia da felicidade que Deus dá a certas pessoas, e da felicidade que Deus tira a outras." Contudo, "a consciência do romancista", diz-nos Camilo, "salta por cima da confiança pública, e salva-se na crença e no aplauso dos raros espíritos, que se abonam com bem saberem o que é esta vida, a preço de tragarem muito fel de experiência" e tudo porque a personagem principal, o famoso Basílio "era a imagem da estupidez, mas a estupidez silenciosa". Apresento algumas frases temáticas, sem colocar em causa o trabalho do respectivo monitor, ou moderador desta comunidade, João Paulo Braga, que poderiam ser discutidas amenamente, em simples cavaqueira camiliana. Dou apenas algumas citações para não cansar muito o leitor e deixo aqui o meu contributo como um camilianista curioso.



Secularização.

"Era opinião de Frei Silvestre do Monte do Carmo que a volumosa cabeça do menino significava talento. . Este prognóstico abalava mediocremente os ânimos dos pais, que não sabiam o que era, nem para o que servia neste mundo o talento.
- Se as religiões não acabarem, como por aí agouram os ímpios - dizia o frade -, este menino pode vir a ser um grande sábio numa ordem rica.
- O que eu quero - acudia o pai - é que ele seja um negociante fino, e que dobre o património com a sua agência." (6)

"No último domingo de Julho de 1848, era a celebrada romaria de Santa Ana de Oliveira, situada a curta distância do antigo convento daquele nome, na margem esquerda do Douro, a uma légua do Porto. É esta uma das popularíssimas festas, que, apesar da descrença. do despoetizamento das turbas, e da apagada e tediosa civilização, prevalece ainda com algum brilho do seu antigo resplendor." (31-32)




Educação

"- Sabe que nais, comadrinha? - replicava a senhora Bonifácia, cada vez mais assanhada com as satisfações meio prudentes e meio irónicas de Custódia. - Dê-lhe nas ventas para trás à rapariga, senão olhe que não sei, mas... boa saída não lhe dá ela. Isto de meninas, quando entram a cuidar que são bonitas, e a olharem muito para a sombra... a coisa não vai boa!... Eu, se fosse a vossemecê, comadre Custódia, o que fazia era mandá-la trabalhar em casa. Tocar piano? De que serve tocar piano?! Deixe isso lá às ricas, e cuide de fazer a sua filha boa mulher de casa e arranjadeira, que é o que quer um marido!
- Pois, sim, sim - atalhou Custódia -, mas a comadre que quer? O meu Manuel embirrou pró piano, e não há remédio a dar-lhe. Depois, quer também que ela cante , e aprenda o francês...
- Ai que este mundo está perdido! - clamou Bonifácia, com as mãos na cabeça. - Ó mulher! Meu compadre está doido?
- Agora está! Bendito seja o Senhor, doido não está ele" (13-14)





Fenomenologia do Amor

"Pobres mulheres, que tanto sofrem por amor de nós, e nós barbaramente rimos disto! Eu não; nem tu, meu prezado Karr, que já protestaste contra o riso insultador dos que zombam da mulher idosa que nos quer mentir em sociedade para nosso bem!" (18)

"As mulheres fazem tudo de si para fazerem o que querem de nós!" (67)

"Há pessoas muito mal informadas do coração humana. Cuidam estas que certos homens do feitio de Basílio recebem as impressões por uns nervos que não são os nervos por onde calam os filtros das paixões de Werther e de Amaury. Crasso erro! / Há um sinal comum de todos, ideal que dispensa consumo de ideias; coisa em si materialíssima, que se chama ideal, em virtude de tácita convenção, feita há cinco mil anos, de nos emganarmos uns aos outros e cada qual a si. / Este íman, que puxa por todos, tanto abala este moço contemplativo, que se morre de saudades do céu, como aquele agreste habitante das montanhas, que se deleita na esperança da plangana chorumenta que lhe há-de, à ceia, carregar o sono, e doirar os sonhos. Este e aquele, em presença da mesma mulher, sob a pressão da mesma electricidade, hão-de estremecer por igual, amar com igual veemência, e arrombarem-se nos mesmo enelvos. Acontecerá ao moço culto, que apredneu a língua das paixões, exprimir a sua; enquanto o filho das montanhas, o analfabeto, abafados os órgãos expansivos da eloquência, recalcará ao âmago do seio as comoções, e dará ao seu arroubo a duração de um sonho de toda a vida." (89-90).

"Rara mulher há aí que perdoe ou conformadamente tolere perguntas de marido ou amante que a façam corar pelo seu passado." (132)




Ética.

"... o pudor, leitores, que é a mais jeitosa das máscaras para toda a casta de escarlate, que, sem aquela palavra, não saberíamos dizer o que é." (99)

"Deus sabe com que linhas cada qual se cose..." (102)

"... a substância da ideia é a menos espiritual deste mundo". (112)

"O medo é das mais estupidas das paixões; responde sempre a mais tola das lembranças." (143)

"O espantar-se a gente não tarda a ser um sintoma de demência." (118)

"A moral pública farejou aquela silenciosa e honesta alegria dos dois amantes. Zangou-se a moral pública, e fez soar as cem trombetas da infâmia." (161)

Política

"Os governos, meu amigo e entendido, são como as fábricas que recolhem o farrapo sujo das barricas de lixo, e fazem deste farrao um acetinado papel." (155)

CASTELO BRANCO, Camilo - Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado. Lisboa: Círculo de Leitores, 1989.


Amadeu Gonçalves
Projecto literário "Dicionário Temático Camiliano"

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